Intercâmbio na
Alemanha, uma experiência multicultural
Profissional conta como cursar o ensino médio na Alemanha impactou sua
vida: "Quando você 'sai da bolha', você se coloca mais no lugar do outro”
Por Nathália Bustamante
Quase um milhão e meio de pessoas
imigraram para a Alemanha no ano de 2014. Em dezembro, o país contava com 11
milhões de imigrantes, e um quinto da sua população tinha origem estrangeira.
Recentemente, diante da mais severa crise de imigração desde a Segunda Guerra
Mundial, a premier Ângela Merkel afirmou que o país receberia ao menos 800 mil
refugiados – tornando a Alemanha o país a processar o maior número de pedidos
de asilo na Europa, tanto em números totais quanto no proporcional com a sua
população.
O povo alemão não é tão aberto quanto o brasileiro, tem que ser
conquistado aos poucos. Mas quando você consegue, é uma amizade para a vida
toda
Em 2005, quando Thaís Starling
começou seu último ano de ensino médio na cidade de Kassel, na região
centro-oeste do país, o número de imigrantes era menor (6,75 milhões de
estrangeiros, ou 8.2% do total da população). Mesmo assim, o convívio com a
diversidade marcou a experiência internacional de Thaís que, até então,
estudava em um colégio particular de maioria católica, em Belo Horizonte (MG):
“A princípio foi um choque, mas o que eu queria ao fazer intercâmbio era viver
a diversidade, então foi muito bom encontrar tudo isso”. Curiosa e rodeada por
colegas das mais diferentes nacionalidades, ela se propôs a entender como eles
pensavam e por que pensavam diferente. Isso a ajudou no que considera o
processo de ter “saído da bolha” em que vivia no Brasil: ao frequentar uma
escola pública e conviver com diferentes formações e situações econômicas,
culturais e religiosas distintas, aprendeu a entender a diversidade e a se
comunicar melhor com as pessoas.
Aprender se comunicar com diferentes
pessoas foi necessário não apenas ao lidar com a diversidade característica da
Europa. Aprender uma língua diferente foi um dos motivos pelos quais Thaís
optou por fugir aos destinos mais tradicionais, como Estados Unidos e Canadá.
Nos primeiros meses o alemão foi um desafio: mesmo tendo estudado um pouco
antes de embarcar, chegando lá foi preciso começar quase do zero. A princípio
frequentando uma escola bilíngue, Thaís ganhou confiança no idioma e em seis
meses se mudou para uma escola em que as aulas eram totalmente em alemão.
Ser capaz de se comunicar na língua
materna dos colegas afetou até o seu relacionamento com eles, que se mostravam
mais à vontade para conversar: “O povo alemão não é tão aberto quanto o
brasileiro, tem que ser conquistado aos poucos. Mas quando você consegue, é uma
amizade para a vida toda.”
Estando no país em 2005 e 2006 –
véspera de Copa do Mundo – Thaís também pôde presenciar um fenômeno histórico e
simbólico para o seu host country: o renascimento de um patriotismo perdido.
“Os jornais todos comentavam que havia muito tempo os slemães não balançavam
bandeiras nem falavam com tanto carinho sobre seu país. Isso me fez pensar no
meu comportamento logo no início do intercâmbio, no dia 7 de Setembro, quando
me levantei na sala, vestindo a camisa do Brasil, e falei com o maior
orgulho da minha nacionalidade. Percebi que, até então, não poder exaltar a
Alemanha era um peso que até as pessoas mais novas, da minha idade,
carregavam”, relembra.
Quando você sai da bolha, você vê as coisas de outra forma – se coloca
no lugar do outro e tenta pensar como ele. Isso te muda, como pessoa e como
profissional
Thaís também observou que a relação
dentro da sala de aula era diferente do que estava acostumada no Brasil. Lá, os
professores são chamados sempre de senhor e senhora, e quando começam a falar,
os alunos ficam em silêncio. “Todos tinham muito respeito pelo educador”, comenta.
A grade de disciplinas das escolas na
Alemanha é diferente do padrão brasileiro, e atividades extracurriculares são
muito valorizadas. Aulas de artes, música, xadrez são ministradas até o ensino
médio, o que se reflete, posteriormente, na valorização dos profissionais deste
campo e no vasto cenário cultural e artístico do país. Além disso, as escolas
públicas são muito boas e frequentadas pela maioria dos estudantes,
independentemente da condição financeira ou social.
Para Thaís, tanto o senso de disciplina
alemã quando a habilidade para lidar com a diversidade fizeram a diferença na
sua carreira. Enquanto era trainee da FIAT, em Belo Horizonte, foi convidada a
participar de um projeto na integração entre a FIAT e a Chrysler, que estavam
se fundindo. Por seis meses, ela ficou na sede da Chrysler nos Estados Unidos,
estudando e comparando práticas das duas empresas – e foi impossível não sentir
a divergência entre as culturas de negócios da Chrysler, muito forte em
planejamento, e da FIAT, rica em flexibilidade. “Mas também aprendi muito com
isso”, conclui a mineira. “Quando você sai da bolha, você vê as coisas de outra
forma – se coloca no lugar do outro e tenta pensar como ele. Isso te muda, como
pessoa e como profissional.”
*Foto: Thaís (à direita) com amigos na
Alemanha, durante a Copa do Mundo de 2006
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